09
jan-2019

O clima daqui a meio século

O climatologista Carlos Nobre é um dos 2,5 mil renomados cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e, em 2011, assumiu a Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisas e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia. Ali, uma de suas tarefas é coordenar o Sistema Nacional de Alerta e Prevenção de Desastres Naturais, algo inédito no Brasil. Conselheiro do movimento Planeta Sustentável, Nobre fala, nesta entrevista, sobre a influência das mudanças climáticas na floresta e no planeta para as próximas cinco décadas

É possível prever o clima na Amazônia nos próximos 50 anos?
Não com exatidão, porque é preciso saber em que medida as mudanças climáticas que alteram a atmosfera de todo o planeta vão repercutir na Amazônia. Não sabemos ainda quais serão as trajetórias dessas mudanças, porque elas dependem da quantidade de gases de efeito estufa emitidos pela atividade humana na atmosfera. Se continuar o cenário atual de emissões, haverá mudança climática significativa. Mas, se todas as ações de redução de emissões surtirem efeito e as emissões diminuírem rápido, teremos outra trajetória. O que posso afirmar é que não há muito o que fazer no sentido de evitar as mudanças climáticas nos próximos 20 anos. Nesse período, o clima global já está determinado pelas emissões que fizemos no passado. As temperaturas médias da Amazônia podem variar entre 0,4oC e 0,5oC, possivelmente causando elevação na intensidade dos episódios de chuvas. Em uma escala de 50 anos – e se houver uma ação rápida de diminuição nas emissões -, as temperaturas médias podem aumentar em até 0,8oC. Caso contrário, a elevação será de 1,5oC a 2oC. Nesse cenário, imaginamos a Amazônia mais quente, com tempestades mais intensas e com períodos mais pronunciados de seca. Um bom exemplo do que veremos no futuro – e com maior regularidade – é o que presenciamos nos últimos cinco anos: secas pronunciadas em 2005 e 2010 e chuvas superabundantes em 2009. Acredito que esses altos e baixos vão se tornar frequentes.

O que pode acontecer com a floresta?
O impacto será a mudança nas características da vegetação, sobretudo em relação aos períodos prolongados de seca, porque as espécies que mais precisam de água tendem a desaparecer em um período de várias décadas, com menos 20% de chuvas. Sistematicamente, várias espécies não irão sobreviver com esses índices caindo ano após ano.

A floresta já corre o risco de um tipping point, o ponto sem chance para reverter as mudanças climáticas?
O risco de esse ponto ser alcançado, hoje, é pequeno. O perigo real é entrarmos em uma trajetória de aquecimento global sem volta e que comprometa a floresta – sobretudo no sul e no leste, entre os estados do Mato Grosso e do Pará. Essas são regiões suscetíveis, porque o clima é mais próximo ao de uma savana tropical ou um Cerrado. Ali, um razoável aumento na temperatura, algo em torno de 3,5oC – além de relativa diminuição na precipitação média anual de 15% -, levaria boa parte dessas regiões a um estado climático típico de savana. Gradualmente, espécies de savana que existem naquele trecho de floresta sobreviveriam, ao contrário de outras espécies, que precisam de água o ano inteiro e desapareceriam aos poucos daquela área. Meu palpite é o de que, se a trajetória de emissões continuar em tendência crescente – com aumentos na temperatura entre 3,5oC e 4oC ou um desmatamento que ultrapasse 40% da área total da floresta -, nos próximos 50 anos teremos atingido o tipping point. Entretanto, assumo uma posição de que o Brasil e os países amazônicos estabilizem o uso da terra e que a área total desmatada não ultrapasse 25%.

Qual seria o impacto dessas alterações climáticas na agricultura?
A chuva em excesso atrapalha a produção de grãos, como a soja. É sabido que depois do crescimento do grão, com o amadurecimento dele, não pode haver solo encharcado.
Historicamente, mesmo com a agricultura moderna do século 20, grãos como a soja não foram desenvolvidos em regiões muito úmidas. O desmatamento poderia trazer um clima favorável à agricultura de grãos em certas áreas. Porém, esse seria um efeito secundário. Os efeitos principais seriam de duas ordens. Primeiro, temperaturas mais altas, sobretudo ondas de calor, afetariam para pior a produção agrícola de modo geral. Segundo, e mais importante, conforme projeções, maior variabilidade das chuvas, com períodos de secas ocorrendo com maior frequência.

O que o senhor acha da teoria dos Rios Voadores, segundo a qual a floresta amazônica produz canais de vapor que tornam o sul e o sudeste do Brasil mais chuvosos?
Sou cauteloso com essa teoria. Não há solidez científica nela. Em recente estudo que produzimos, mostramos que o efeito do vapor d’água que vem do Atlântico, passa pela Amazônia, participa das chuvas na região e, parte dele, se move em direção ao Centro-Oeste brasileiro e, depois, ao sudeste da América do Sul (região Sul do Brasil, Uruguai, Paraguai e nordeste da Argentina) é possivelmente maior nesta última área. Todos os nossos estudos indicam que, mesmo se houvesse um hipotético desmatamento total da Amazônia, os efeitos no Sudeste do país seriam pequenos. Ao contrário: algumas simulações preveem que as chuvas aumentariam no sul do Nordeste. A atmosfera é bastante complexa. Um dos principais fatores causadores de chuvas no Sudeste, sobretudo durante o verão, é a zona de convergência do Atlântico Sul. Constatamos que, com as mudanças climáticas, no futuro poderemos ter episódios intensos de ocorrência nessa zona. Mas repito: trata-se de um fenômeno global.

Haverá efeitos em outra região, então?
Provavelmente, em boa parte das chuvas de inverno – não de verão, ressalto – no Sul do Brasil, além do Uruguai e parte da Argentina. Ali, sim, há um canal direto de vapor d’água durante o inverno que passa por cima da Amazônia. Sendo assim, no hipotético desmatamento total da floresta, durante o inverno será possível ter um pouco menos de vapor vindo da Amazônia, algo entre 5% e 10%, no máximo. Com menos vapor alimentando as nuvens de chuva de inverno no Sul do país, é provável que ocorra menos chuva nessa estação. Mas há um contraponto: com o aquecimento global, todos os cenários mostram ligeiro aumento nas chuvas nessa mesma região da América do Sul. Como resultado, mesmo com um desmatamento significativo na floresta nos próximos 50 anos, não veremos diminuição nas chuvas no Sul, porque o aquecimento global compensará esse efeito.

A usina de Belo Monte trará consequências ao clima amazônico?
Ela mudará o microclima apenas em volta do reservatório, onde poderá chover um pouquinho mais, em virtude da lâmina d’água. A 20 quilômetros dali, não deve haver mais o efeito do lago do reservatório. A usina deve atenuar as temperaturas nas imediações, como qualquer grande corpo d’água o faz em seu entorno imediato.

Podemos confiar nos índices oficiais divulgados sobre o desmatamento?
Sim. O Brasil tem o melhor sistema de monitoramento de florestas tropicais no mundo. Na média anual dos últimos seis anos, o índice de desmatamento diminuiu e essa constatação é confiável.

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